sexta-feira, 19 de junho de 2009

Horrorizada comigo mesma, esses dias vi uma mulher sem teto, idosa, dormindo atrás de uma escada e virei o rosto. Fingi que não vi e segui em frente. Triste por não poder fazer nada, mas mais infeliz por saber que ser genuinamente solidário é um erro.
Existem milhões de benefícios em viver em uma grande cidade. Sou totalmente urbana e adoro. Mas há também os efeitos ruins. O pior deles, para mim, é a noção de que não podemos ser solidários. Claro que podemos doar dinheiro para um instituição ou servir como voluntários. Mas não estou falando disso. Gostaria de poder ter o mesmo senso de decência que tinha quando era adolescente e parava para ajudar.
Infelizmente, o mundo não permite mais isso. Sentimos medo. Achamos que parar no meio da rua e abrir a bolsa não é uma boa idéia. Andamos com a janela do carro fechada. E é isso aí. Não podemos mesmo agir da mesma forma. Não é possível. Podemos ser assaltados mesmo. Se antes eu ficava constrangida em desconfiar de alguém que poderia estar me seguindo para me assaltar, hoje eu sei que essa mesma desconfiança me livrou de pelo menos dois assaltos.
Adoraria abrir minhas portas para alguém em uma noite fria, mas não posso colocar a segurança da minha família em jogo. E eu sinto muito por isso. Não virei a pessoa que eu tinha certeza que me tornaria nesse ponto.
No final das contas, a cidade tirou de mim e de muitos amigos, a capacidade de ser espontâneo em minha generosidade e em meu senso de solidariedade. Podemos sentir, lamentar, mas não conseguimos mais ser o que gostaríamos de ser. A situação do mundo impede que tenhamos compaixão.
Então fazemos doações para instituições achando que estamos ajudando. Será? Tenho minhas dúvidas. Se mantivéssemos nossa noção de solidariedade talvez poderíamos fazer algo melhor, mais concreto. O problema é que para ser bons achamos que precisamos também estar seguros. E o problema nunca acaba.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Imagem

Existe uma diferença enorme entre a pessoa que vejo no espelho e a pessoa que imagino que sou. Nem para o bem nem para o mal, dificilmente consigo me olhar com honestidade, objetividade. Verdade seja dita, sempre confundo a real imagem com a de personagens que vivem na minha cabeça.
Alguns dias sinto minha pele quase se separando do resto do meu corpo. Como se estivesse deteriorando rapidamente. Minhas costas curvadas, meu queixo baixo. Vejo minhas formas estranhamente deformadas. Uma velhinha muito parecida com a bruxa que entrega a maçã envenenada para a Branca de Neve - um serzinho que sempre me assustou quando era criança.
Quando tenho acessos de fúria sinto como se virasse um ser detestável visualmente. Com uma boca incontrolável. A personificação do descontrole é tão forte que chego a me encolher quando lembro do momento de raiva e me vejo nessa forma odiosa.
Em outros momentos, os de solidão ou de tristeza, tenho a impressão de não ser corpo. De não ser pessoa, de não ser presença, mas sim névoa. Algo branco, enfumaçado, perdido e sem sentido.
Quando amo, sou pequena e terna. O suficiente para me aconchegar e caber nos espaços mornos do corpo do outro. Sou quase criança.
Alguns dias sou velha, outros sou jovem, outros sou indefinida. Nunca a pessoa do espelho.
Pela herança deixada na minha imaginação por filmes, músicas, livros, desenhos, quadros, histórias, acho que o meu cérebro não admite que nenhuma mudança visual aconteça quando vivo extremos. Não se conforma por não conseguir exteriorizar a enorme excitação interna que toma conta de tudo quando algo é marcante em minha vida.
Talvez por isso a palavra seja tão importante. A voz que consegue tirar de dentro todo o lixo, toda a beleza, toda a mediocridade que algumas vezes confundo com profundas conclusões. Nem sempre é possível fazer com que entendam a imagem, mas as palavras tentam tornar real algo que é apenas uma sensação. Eu mesma posso, através delas, perceber a dimensão verdadeira do que sinto. E geralmente o efeito é bem mais suave do que imaginava.